No outono passado, pouco antes da reeleição de Donald Trump, ocorreu a cúpula dos BRICS+ na cidade de Kazan, no Azerbaijão. Esses dois eventos oferecem uma perspectiva singular sobre o futuro das relações internacionais, se tornando profundamente interligados e nos levando a enxergá-los como duas faces da mesma moeda, através das quais se delineia, em parte, o futuro da diplomacia global. O retorno de Donald Trump à liderança da maior potência mundial pode ser interpretado como o fim de uma era em que os Estados Unidos se apresentavam como os grandes pacificadores da política mundial — uma pretensão reforçada nos anos 1990 pela queda da União Soviética, qualificada por alguns como o “Fim da História” e por outros como a “globalização feliz”, relegando os discursos sobre o “choque de civilizações” a um tropismo reacionário. Diante da ampla cobertura midiática das declarações bombásticas sobre política externa feitas pelos diversos atores da órbita trumpista — a começar pelo próprio Trump, seu secretário de Estado, Marco Rubio, e o diretor de seu departamento de eficiência governamental, Elon Musk —, o mesmo não ocorre com os BRICS+, que nos países ocidentais recebem, em geral, uma atenção bem menor, apesar de seu crescente peso na cena internacional e de sua integração “regional” cada vez mais avançada. Em contraste com a brutalidade discursiva do presidente americano, que afirma querer colonizar, a seu critério, o Canadá ou a Groenlândia, tomar posse do Canal do Panamá, deslocar à força dois milhões de palestinos para transformar a Faixa de Gaza em um resort, se retirar de diversos tratados e organizações internacionais, como o Acordo de Paris ou a Organização Mundial da Saúde (OMS) — em suma, ignorar o direito internacional e a soberania de outros Estados —, o discurso dos BRICS+ sobre a ordem internacional se apresenta de maneira muito mais sutil, exigindo, portanto, uma análise mais aprofundada. Embora formalmente ancorado no direito internacional e no respeito à igualdade soberana dos Estados, entre as entrelinhas se percebem os contornos de uma política imperialista que não hesita em instrumentalizar discursos sobre a necessidade de desocidentalizar e descolonizar as relações e instituições internacionais. A retórica dos BRICS+, que se autoproclamam representantes do “Sul Global”, parece agora seduzir um número crescente de países do Sul global — que não lamentam o fim de um mundo hegemonicamente comandado pelos Estados Unidos —, o que nos obriga a refletir sobre os modelos e cenários alternativos em jogo, especialmente sobre o papel que a União Europeia poderia desempenhar nesse contexto.
Allan Deneuville, Martial Manet. Diante de Trump, os BRICS+ podem garantir a ordem internacional?. 2025. ⟨hal-04995523⟩ (lien externe)
Citations
Deneuville, A., & Manet, M. (2025). Diante de Trump, os BRICS+ podem garantir a ordem internacional? https://hal.science/hal-04995523v1
Deneuville, Allan, and Martial Manet. Diante De Trump, Os BRICS+ Podem Garantir a Ordem Internacional? Feb. 2025, https://hal.science/hal-04995523v1.
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Deneuville, A. and Manet, M. (2025) “Diante de Trump, os BRICS+ podem garantir a ordem internacional?” Available at: https://hal.science/hal-04995523v1.
DENEUVILLE, Allan and MANET, Martial, 2025. Diante de Trump, os BRICS+ podem garantir a ordem internacional? [en ligne]. February 2025. Disponible à l'adresse : https://hal.science/hal-04995523v1